Sábado de sol carioca, meio-dia, quase 40 graus. Eles poderiam estar na
praia, mas preferem se reunir numa feira de antiguidades montada sob o
elevado da Perimetral, no centro do Rio, para conversar sobre o assunto
que movimenta suas vidas: gibis raros. Com cerca de 50 integrantes, a
Confraria do Gibi se encontra ali há um ano, todo sábado, o dia inteiro,
para trocar informações, vender e exibir suas conquistas.
Um deles é o contador Ranieri de Andrade, de 49 anos, um entusiasta
desde a infância, que conseguiu amealhar um conjunto de mais de 60 mil
revistas – as mais antigas são as de O Tico-Tico, a primeira a publicar
histórias em quadrinhos no Brasil, a partir de 1905. Morador de Niterói,
Andrade tem uma casa só para o acervo, e gasta R$ 5 mil mensais com a
manutenção e o pagamento de uma funcionária responsável pelo material.
Mas o que ele quer mesmo é fundar um museu do gibi, em que tudo seja
mantido catalogado, acondicionado sob temperatura controlada e protegido
da umidade e de ladrões. Já há dez anos o contador vem procurando
imóveis (em Niterói e no Rio) que sirva ao museu e buscando empresas que
patrocinem o projeto.
“Preciso de um lugar seguro, mas é difícil. Quero um espaço e uma
equipe, e não deixar as revistas guardadas num lugar onde eu só receba
amigos. O quadrinho não é valorizado no Brasil e as empresas não têm
interesse porque não dá visibilidade. Já tentei audiência com o
prefeito. É um sonho da vida toda”, conta Andrade, que juntou várias
coleções completas. O objeto de sua obsessão é Ken Parker, personagem de
faroeste criado na Itália nos anos 1970.
“Quando a gente vê roubos
até em lugares como a Biblioteca Nacional, fica muito preocupado”, diz
Andrade, que mantém em sigilo detalhes sobre seu tesouro desde que foi
assaltado, há três anos, na porta de casa. “O ladrão me perguntou sobre
as revistas e fiquei apavorado. A partir dali, dividi a coleção em dois
imóveis.”
Outro crime, o roubo ao escritório de Antônio José da Silva,
conhecido como Tom Zé, dono da maior coleção do Brasil, há quatro meses,
na zona sul de São Paulo, deixou a comunidade dos colecionadores em
estado de alerta.
Acredita-se que haja assaltantes especializados –
os ladrões vasculharam entre as 400 mil revistas de Tom Zé as sete mil
mais raras, caso dos primeiros números de O Lobinho e A Gazetinha,
almanaques dos anos 1930 e 1940 que apresentaram ao público brasileiro
ícones dos quadrinhos norte-americanos, como Super-homem e Batman.
Tom Zé, assim como Andrade e outros da Confraria do Gibi,
compartilham uma angústia: o que será da coleção quando eles morrerem?
“É o grande dilema do colecionador. Tenho dois filhos que já têm
interesse pelas revistas, mas não por paixão, e sim porque sabem o valor
que têm. Se virar um bem público, acaba esse problema.”
Quando as famílias não apoiam, eles acabam vendendo o conjunto
inteiro para outro aficionado por valores muito abaixo do mercado. Na
feira sob a Perimetral, já apareceu americano comprando raridade para
vender muito mais caro em seu país – caso de uma Gazetinha de 1938, em
que o Super-homem apareceu pela primeira vez, que saiu no exterior por
US$ 7.500 (quase R$ 18.000).
No caso do confrade Flavio Colin Filho, a fissura pelos gibis está no
sangue. Ele é filho de um ilustrador e autor tido como mestre pelas
novas gerações, conhecido no meio por As Aventuras do Anjo (1959),
derivada da radionovela homônima, e O Vigilante Rodoviário, baseada no
seriado de televisão, e que trabalhou dos anos 50 até morrer, em 2002.
“Respirei isso a vida toda. Meu pai era um defensor do quadrinho
nacional e, quando ele morreu, decidi digitalizar tudo o que tenho e
resgatar o que está faltando."
O apego maior do presidente da Confraria, Hélio Guerra, é ao Fantasma
Voador - são mais de 1.200 revistas, de 1939 a 1952. Já a radialista
Ágata Desmond se tornou curadora do legado de Edmundo Rodrigues, autor
falecido no ano passado do qual foi assistente de 1967 a 1972. Tem três
mil exemplares. “Ele fez 432 revistas diferentes, era para ir para o
Guinness Book. A gente luta pelas HQs para que a obra desses autores
seja perpetuada."
Fonte: http://www.estadao.com.br
Agradecimento: Merlin
Esse Flavio Colin tem tudo digitalizado, porque não põe na net para todo mundo ver ?
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